O poema “Traduzir-se”, de Ferreira Gullar, retrata o indivíduo com suas complexidades, ambiguidades, contradições. E traduz, por meio das palavras, que a vida espelha riquezas internas conscientes e inconscientes das quais o sujeito não se dá conta.
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
Ferreira Gullar (1930-2016), Toda Poesia, Editora José Olympio.
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